quinta-feira, 2 de junho de 2011

Cosas de la vida 2


Com o falecimento de Elias, o irmão Paulo iniciou o procedimento de inventário. Só se prontificou para acertar toda a papelada, condoído pela penúria financeira em que o irmão vivia e, principalmente, pela solidão que assolara a viúva de 78 anos, Amélia. 

Foram 52 anos de casamento sem se separarem um só dia. Nenhuma viagem, nenhum evento, nenhum imprevisto. Nada separou Amélia e Elias neste período.

O casal cultivava hábitos estranhos. Ele só saía de casa para ir à repartição em que trabalhava. E de lá, voltava correndo para casa. Inclusive se afastou de amigos e familiares. Amélia, por sua vez, nunca trabalhou e só era vista fora de casa ao lado de Elias.

Apesar do bom emprego público do varão, a casa deles estava caindo aos pedaços: azulejos destruídos, canos podres, pintura por fazer, utensílios quebrados... Amélia andava sempre com os cabelos presos e com roupas velhas. O casal andava com uma placa de metal pendurada no pescoço, com seus dados pessoais, "se eu morrer queimado, não passo por indigente", anunciava Elias.

Diziam que eram esquisitos assim por traumas de guerra. Vai saber...

Naturalmente, Paulo foi se aprximando da cunhada. E foi, aos poucos, matando sua curiosidade em relação a louca rotina do casal. Revelações estarrecedoras foram surgindo.

Amélia nunca havia ido ao cabeleireiro ou manicure. Sequer havia penteado os cabelos - Elias era quem fazia tudo isso. Amélia nunca havia comprado roupas ou comido em um restaurante - Elias era o personal stylist e cozinheiro dela. Amélia não tinha nem noção de quanto custavam as coisas (supermercado, luz, água, telefone) - Elias gerenciava as contas, gerenciava tudo! Fora os detalhes não revelados, que não dá nem para imaginar...  

Porém, na medida em que Paulo foi mexendo nos documentos do irmão e da cunhada foi se espantando! Elias tinha mais de 30 contas correntes espalhadas em diferentes bancos. Muitas, com importâncias significativas. A soma disso tudo aproximava-se de um milhão de reais!

Pior, a viúva nem desconfiava disso.

Paulo não sabia nem como revelar, tinha medo de assustá-la. Então, para tentar alegrá-la, fez o obvio: começou a gastar todo o dinheiro dela, com ela! Banho de loja, cabelereiro, manicure, enfermeira, restaurantes, teatros, cinemas... tinha de tudo. Amélia estava tão feliz que chegou a se insinuar para o cunhado, que, claro, saiu de fininho.

Mas, passada a euforia inicial, Amélia dava sinais de profunda tristeza. Não achava graça de nada. Intrigado,  Paulo quis saber o que passava, e teve a resposta na lata:

"Você só me manda para todos estes lugares... Nunca faz nada por mim. Já Elias, penteava meus cabelos, fazia minha unha, me arrumava, me dava de comer... estava sempre querendo saber como eu estava..." e com a voz embargada termina "ele cuidava muito bem de mim, como ninguém nunca será capaz de fazer!"

Como ninguém nunca será capaz de fazer ela tem toda razão... vai entender a linguagem do amor.