sexta-feira, 30 de julho de 2010

Flashes 17

Meu primeiro time na Espanha. Empolgação máxima. 

Chego de manhã e de noite a equipe fazia um amistoso de pré-temporada. Começaria, já no jogo, um período de testes. Fui escalado pro banco. Não conhecia ninguém.

Entro no intervalo. Lembro de ter dado um migué na marcação, inclusive tomamos um gol nas minhas costas. Estava mais preocupado em mostrar serviço com a bola no pé. E foi o que fiz. Vencemos o jogo, participei bastante e criamos várias oportunidades. O jogo fluiu bem e a torcida saiu satisfeita. Vale lembrar que, por ser o único brasileiro do time, despertava muita curiosidade na torcida.

Saí muito satisfeito. Vi o presidente rindo a toa. Os comentários foram bons.

No dia seguinte, no café da manhã, o treinador (que não havia falado comigo em momento algum) senta à minha mesa e, sem dar sequer um 'buenos dias', fuzila "É só isso que você tem pra mostrar???" sem me deixar responder, atira "você acha que me engana com esse joguinho ridículo??"

O leite azeda. O queijo fede. E eu, ainda sem reação, continuo calado. Já ele, segue massacrando "Porque você acha que eu devo ficar com você???"  

Sem saber o que dizer e, considerando que ainda não dominava totalmente o idioma, falo pela primeira vez "eu quero muito ser aprovado..."

Parece que era tudo o que ele queria ouvir. "Trabalhei por quinze anos no setor de testes do Rayo Vallecano. Lá, chegavam todas as semanas, ônibus lotados de africanos para fazerem testes. Com certeza, eles precisam muito mais do que você. Eu reprovava praticamente todos; isso não me diz nada! Você está com algum problema físico???"

"Estou sentindo uma dor no dedão do pé direito." Até era verdade. Mas a esta altura já nem sabia mais o que dizer... tentei apenas me defender.

"Então vai pra fisioterapia e só sai de lá 100%, ainda que demore meses pra melhorar. Depois você continua o teste garoto." Concordei com a cabeça, até porque, naquela altura, com toda a simpatia demonstrada, não haveria outra solução.

Fui pra fisioterapia. No caminho, dei meia volta, regressei pro hotel, peguei minhas coisas e fui embora. Não tinha tempo à perder. Preferi assombrar em outro castelo...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Flashes 16


"Dois hamburgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim... é big mac!"

Era pedir a promoção do Big Mac, cantar a música acima e faturar um hamburguer grátis. Treinei muito. Não poderia errar. Ou cantava certinho ou não levava o brinde. Quando estava craque na música resolvi ir ao McDonald.

Fim de semana. Segundo piso do Rio Sul. Loja cheia. Filas enormes. Medo de errar, vergonha... pensei seriamente em desistir. Tinha a certeza que, além do balconista, teria um gerente/fiscal para avaliar se eu estava cantando corretamente. Qualquer deslize seria fatal. 

Mas meu treinamento não poderia ser em vão. Estava com a  música na cabeça e tinha que me concentrar. Aquele pensamento negativo poderia prejudicar minha performance, principalmente diante de tanta gente.

Enfrentei a fila toda, pedi a promoção nº 01, recebi o lanche e nada do funcionário me pedir para cantar a música. 

Até imaginei que, pela correria do atendimento, tivesse esquecido. Ele, inclusive, já estava atendendo o cliente seguinte.

"Ei, ainda não cantei a música da promoção" - falei.

"Música?!?!?!" - disse ele com uma entonação de 'que moleque idiota'

"Eu quero ganhar o hamburguer" - me defendi.

"Então canta" - falou, certamente pensando 'deixa esse merda cantar, senão a fila não anda...'

Me concentrei, respirei fundo e "Dois hamburguers, alf..."

"Próximo!" - disse o impaciente funcionário me interrompendo, olhando pro próximo cliente e jogando o hamburguer, de qualquer jeito, em cima da bandeja...

Ganhei o presente mas não cantei a música. Mesmo sendo moleque percebi que essas promoções são para enganar trouxa. Me senti um trouxa. Até porque nem aguentaria comer o hamburguer, depois da promoção...     

sábado, 17 de julho de 2010

Flashes 15

Tinha acabado de chegar em São Paulo para um time de empresário.  

A estrutura era boa. Todos os jogadores de fora moravam em uma casa grande com arrumadeira, cozinheira etc. Tinha também preparador físico. O tal empresário, ex-jogador do Benfica (Portugal), era o treinador. Diziam que ele era empresário do Roger (ex-Fluminense, atualmente no Cruzeiro e, na época, no Benfica) e de outros famosos.

Tinham duas categorias, juvenil (16 e 17 anos) e juniores (18 anos). Treinávamos todos os dias, de manhã e de tarde. Entre um treino e outro, todos almoçávamos juntos. Éramos uns 40 no total. Carteado, dominó (em dupla), piadas e brigas dominavam nosso ambiente. Quem era bom no dominó tinha moral na concentração.

A idéia era preparar o jogador e vendê-lo para os clubes. Chegava com 18 anos, bem recomendado e com experiência. Era mostrar serviço e sair de lá rapidamente. Pensava que seria uma simples passagem. Ledo engano.

Mas isso não tem a menor importância pra historia. Trata-se apenas de uma ótima lembrança que guardo. Fiz grandes amigos por lá. 

Pois bem. No meu primeiro coletivo, recebo uma falta maldosa de um moleque, baixinho e muito marrento. Em seguida, ele ainda me encara e tenta me intimidar. Considerando o tamanho dele, na primeira oportunidade, lhe dou um carrinho por trás; em seguida, mãozada na cara dele; na outra, cotovelada. Fiz questão de ir assim até o final do treino...

No dia seguinte, depois do almoço "hoje sou eu e ele no dominó!" – disse o agressor, apontando pra mim. Apesar de mal saber as regras do jogo, aceitei. Pensei: “Ou me dou muito bem ou estou ferrado, pois esse cara está querendo me sacanear...” Ele era respeitado na concentração. Era o melhor no dominó, todo mundo queria jogar com ele.

Comecei mal. Com o passar dos dias, ele foi me explicando as técnicas e começamos a ganhar todas as partidas. Formamos uma dupla imbatível e uma amizade verdadeira. 

"Onde você aprendeu a jogar dominó desse jeito???" - perguntei. "Na cadeia" respondeu.

Foi então que descobri sua história. Ele esteve preso por alguns anos e estava em liberdade condicional. Se envolveu num homicídio para ajudar o irmão, ainda preso, que era um grande criminoso em São Paulo. Apesar da cara de garoto, já tinha seus 26/27 anos e estava lá, por caridade do empresário, para tentar se reabilitar e largar o crime.

“O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído...”