sábado, 31 de março de 2012

Flashes 20.1



Meu pai me liga, eu estava jogando em São Paulo, e avisa: "Chegaram as passagens! Pega o primeiro avião correndo que hoje a noite você embarca pra Marseille, França."


Por fim tinha saído! Foram semanas de ansiedade. Iria ao Olympique de Marseille para uma temporada de quinze dias de testes. Lindo! 

No voo, um detalhe que nem estava na história mas acabo de me lembrar. Ao invés de me imaginar brilhando em campos europeus, sento ao lado de uma senhora que veio falando mal de jogador de futebol do início ao fim. E olha que a viagem é longa!


Que jogador é mal educado, que fala alto, que gosta de pagode, que não fala francês direito,  que só faz zona, etc. Não parava. No final, claro, ela pergunta: "Vai estudar na França?". Não. Jogar futebol, respondi. Mas a vontade era dizer: "Não. Vou matar velhas. E na porrada!" Ela ficou desconcertada.

Chego em Marseille esperando aquela recepção calorosa. Deixei a plaquinha com meu nome na mochila, afinal, quem não me reconheceria???  

Aeroporto muito pequeno. Desembarco. As pessoas vão encontrando seus amigos e parentes.. o aeroporto vai esvaziando... tiro a plaquinha da mochila... não sobra mais ninguém no aeroporto pra esperar quem chega.


Será que ninguém veio me buscar? O desespero começa a bater... coloco  plaquinha no pescoço... quando surge uma pessoa no aeroporto andando rapidamente. Ufa, vieram. Detalhe que não falava nada em inglês, muito menos em francês

Me dirijo a ela, já aliviado, e nem me lembro como, descubro que é a faxineira do aeroporto que, com a delicadeza peculiar dos franceses, me dá um esporro e me expulsa, pois era meia-noite e o aeroporto iria fechar!!!

Fudeu!!! Fudeu mesmo!!! Tinha 18/19 anos, num país estrangeiro, cheio de malas, perdido, sendo expulso do aeroporto, sem ninguém pra me buscar. Fora isso, agora em segundo plano, estava meu teste no Olympique de Marseille que iria por terra caso não chegasse no clube.

Foi quando lembrei que meu pai exigiu que, além da passagem, o empresário enviasse o endereço da concentração e do centro de treinamento. Estava no meu bolso. Saí do aeroporto e peguei o último taxi, que nem sei o que fazia alí, já que fazia tempo que não tinha mais nenhum passageiro no aeroporto.

Chego na concentração e... fechada! Pior, tudo apagado. Era madrugada! 

Por sorte, Robson, brasileiro, que havia chegado no dia anterior estava com insonia, desceu pra beber água, e ouviu um barulho do lado de fora e abriu a porta. Que sufoco!!!

Dia seguinte, mais uma loucura. A concentração estava praticamente vazia. Só Robson e mais uns dois africanos. Era uma sexta-feira e nem sinal de diretor, treinador, jogador, treinamento... ninguém veio falar comigo. Comia, bebia, andava, ligava tv, desligava... se houvesse pulado o muro estaria na mesma situação. Só no sábado fui descobrir que o dia anterior era feriado, por isso o deserto. Vida que segue.

Na segunda começa um movimento normal de clube. A concentração enche. Muitos africanos  e franceses. Só que de novo não sou apresentado a ninguém, ninguém vem falar comigo. Robson, que era mais novo, sai cedo no ônibus do clube e vai treinar. Minha categoria era outra, não tinha ônibus. Fico num vácuo total. Como explicar o acontecido pra alguém?? 

Perdi o primeiro dia de treino. No dia seguinte arrumo uma carona e vou ao centro de treinamento. Me sinto um baita ET. Começo a falar com as pessoas e a tentar explicar o ocorrido. Chego a triste conclusão que ninguém sabia da minha existência, ninguém sabia da minha vinda, ninguém tinha autorizado minha viagem, ninguém sabia explicar como a passagem de avião chegou na minha casa... eu não era ninguém!!! 

E não pensem que as pessoas ficaram comovidas. Era mais tratado como maluco do que outra coisa. Mas, uma vez lá, vamos aos treinos. E naquele mesmo dia começariam os testes. 


Dentro de campo eu seria notado.

(Em respeito aos amigos dislexicos,  continuamos a história numa próxima postagem, 20.2)