terça-feira, 24 de abril de 2012

Cosas de la vida 7.1



O resultado positivo do teste de gravidez não foi uma boa notícia para Fábio, o pai. Afinal, ele já não estava mais namorando com Gabriela, tinha apenas 22 anos, sequer havia concluído a faculdade de direito. Não estava no script.

Fabio tinha tudo planejado pelos pais: curtir, se formar, passar num bom concurso público.

Gabriela, a mãe, 36 anos, vivia da ajuda da vó e não aceitava o fim do relacionamento. Tinha até uma passagem mal explicada pela polícia. 

Os pais se prontificaram a pagar uma bela pensão pro menino e alugaram um apartamento próximo. 

Com o nascimento o que a família temia aconteceu. Gabi largou o apartamento foi morar no interior do estado com a avó. 400 Km de distância! Passou a não atender mais os telefonemas e, nos poucos contatos, só admitia visitas aos domingos. Aos poucos, passou a sair aos domingos sem dar explicações. Era uma longa viagem de ida e volta em vão. A situação foi se agravando até que ficaram dois meses sem contato!

Fábio estudou muito sobre o caso e foi à justiça garantir o direito de visitação ao menino.  Liminar concedida, agora poderia ver seu filho todos os finais de semana. Baita vitória. A esta altura, já estava tão envolvido que passou a estagiar num escritório de advocacia especializado em direito de família. 

Quando foi fazer a primeira visita a seu filho, na portaria do prédio o esperava um camburão com dois policiais. Fabio não poderia se aproximar de Gabriela, sob pena de prisão.

Dias antes, Gabriela noticiou na delegacia uma ameaça de agressão e, se aproveitando da Lei Maria da Penha, conseguiu uma ordem judicial para que Fábio não se aproximasse dela. E do menino,  claro, pois tinha apenas sete meses. 

Tudo mentira!!! Que sujeira, Fabio estava alucinado!!! Gabi tocava na pior ferida.  

Como se alguém que não sabe perder pegasse o organizado tabuleiro da vida dele e jogasse pro alto, não deixando uma peça no lugar!!! E era Fábio que tinha de arrumar tudo.

(em solidariedade aos amigos disléxicos, continua numa próxima postagem...)

domingo, 8 de abril de 2012

flashes 20.2


(Continuação)
E naquele mesmo dia iniciaram os treinos. Comecei confiante como sempre! Aquela doideira toda não poderia ser em vão, pensava. 

Na medida em que o treino foi passando parece que fui sentindo uma descarga emocional por todo o stress passado. Estava desestabilizado, frágil. Não me reconhecia! As pernas não respondiam. O corpo estava trêmulo, sem forças... e o pior, a cabeça tentando entender tudo aquilo - que nunca havia ocorrido comigo! E foi acontecer logo numa grande oportunidades destas!!


Isso me comia a cabeça, piorando toada a situação.

Eram quinze dias de testes mas no terceiro dia já estava derrotado, entregue. E novamente ninguém falava nada. Nem bom, nem ruim. Eu não existia naquele local. Sem contar o preconceito que os estrangeiros sofriam na concentração. Aos poucos fui sabendo que o Olympique de Marseille estava para ser rebaixado pra segunda divisão. Falido. Era um verdadeiro salve-se quem puder, roubalheira descarada. Muito desorganizado. A imprensa caía em cima, diretores sendo investigados pela polícia, etc.


Percebi que o melhor era ir embora, pois meus pais, sempre em contato comigo, tinham uma outra oportunidade na Espanha. Iria direto. 


Só que a passagem de volta estava marcada para dentro de dez dias. Ao falar com um diretor sobre a minha necessidade de partir naquele momento, ouvi: "Não temos dinheiro para remarcar sua passagem, você vai esperar os dez dias. Só vai embora na data marcada!"


Com aquela grosseira resposta me dei conta que só me restava uma coisa: dignidade.  Não tinha mais nada. O sonho havia acabado, fui totalmente desrespeitado. Estava na merda! 


Liguei o foda-se. De bate-pronto respondi: "vou embora agora! Estava na minha casa, vocês me enviaram as passagens, me trataram muito mal, aliás, vocês tratam mal a todos - principalmente aos africanos (que viviam acuados e sob constante ameaça de serem demitidos)! E agora você me diz que tenho que esperar dez dias!!! Nunca! Estou indo agora na polícia dizer que vocês estão me prendendo aqui e me proibindo de ir embora! Sou estrangeiro e menor de idade! Outra coisa, daqui vou direto pra Espanha!"


Isso tudo em tom de esporro. Da mesma forma que eles se dirigiam a mim. Antes de ir à polícia passei no Centro de Treinamento (estava no alojamento) e paguei geral, com o mesmo discurso, para um diretor nojento que tinha lá. Eles se desesperaram e me pediram um dia. 


A circunstância me fez ver que existem coisas mais importantes que o futebol. No dia seguinte estava embarcando para a Espanha cheio de esperança atrás do meu sonho. Afinal, o show tem que continuar!

sábado, 31 de março de 2012

Flashes 20.1



Meu pai me liga, eu estava jogando em São Paulo, e avisa: "Chegaram as passagens! Pega o primeiro avião correndo que hoje a noite você embarca pra Marseille, França."


Por fim tinha saído! Foram semanas de ansiedade. Iria ao Olympique de Marseille para uma temporada de quinze dias de testes. Lindo! 

No voo, um detalhe que nem estava na história mas acabo de me lembrar. Ao invés de me imaginar brilhando em campos europeus, sento ao lado de uma senhora que veio falando mal de jogador de futebol do início ao fim. E olha que a viagem é longa!


Que jogador é mal educado, que fala alto, que gosta de pagode, que não fala francês direito,  que só faz zona, etc. Não parava. No final, claro, ela pergunta: "Vai estudar na França?". Não. Jogar futebol, respondi. Mas a vontade era dizer: "Não. Vou matar velhas. E na porrada!" Ela ficou desconcertada.

Chego em Marseille esperando aquela recepção calorosa. Deixei a plaquinha com meu nome na mochila, afinal, quem não me reconheceria???  

Aeroporto muito pequeno. Desembarco. As pessoas vão encontrando seus amigos e parentes.. o aeroporto vai esvaziando... tiro a plaquinha da mochila... não sobra mais ninguém no aeroporto pra esperar quem chega.


Será que ninguém veio me buscar? O desespero começa a bater... coloco  plaquinha no pescoço... quando surge uma pessoa no aeroporto andando rapidamente. Ufa, vieram. Detalhe que não falava nada em inglês, muito menos em francês

Me dirijo a ela, já aliviado, e nem me lembro como, descubro que é a faxineira do aeroporto que, com a delicadeza peculiar dos franceses, me dá um esporro e me expulsa, pois era meia-noite e o aeroporto iria fechar!!!

Fudeu!!! Fudeu mesmo!!! Tinha 18/19 anos, num país estrangeiro, cheio de malas, perdido, sendo expulso do aeroporto, sem ninguém pra me buscar. Fora isso, agora em segundo plano, estava meu teste no Olympique de Marseille que iria por terra caso não chegasse no clube.

Foi quando lembrei que meu pai exigiu que, além da passagem, o empresário enviasse o endereço da concentração e do centro de treinamento. Estava no meu bolso. Saí do aeroporto e peguei o último taxi, que nem sei o que fazia alí, já que fazia tempo que não tinha mais nenhum passageiro no aeroporto.

Chego na concentração e... fechada! Pior, tudo apagado. Era madrugada! 

Por sorte, Robson, brasileiro, que havia chegado no dia anterior estava com insonia, desceu pra beber água, e ouviu um barulho do lado de fora e abriu a porta. Que sufoco!!!

Dia seguinte, mais uma loucura. A concentração estava praticamente vazia. Só Robson e mais uns dois africanos. Era uma sexta-feira e nem sinal de diretor, treinador, jogador, treinamento... ninguém veio falar comigo. Comia, bebia, andava, ligava tv, desligava... se houvesse pulado o muro estaria na mesma situação. Só no sábado fui descobrir que o dia anterior era feriado, por isso o deserto. Vida que segue.

Na segunda começa um movimento normal de clube. A concentração enche. Muitos africanos  e franceses. Só que de novo não sou apresentado a ninguém, ninguém vem falar comigo. Robson, que era mais novo, sai cedo no ônibus do clube e vai treinar. Minha categoria era outra, não tinha ônibus. Fico num vácuo total. Como explicar o acontecido pra alguém?? 

Perdi o primeiro dia de treino. No dia seguinte arrumo uma carona e vou ao centro de treinamento. Me sinto um baita ET. Começo a falar com as pessoas e a tentar explicar o ocorrido. Chego a triste conclusão que ninguém sabia da minha existência, ninguém sabia da minha vinda, ninguém tinha autorizado minha viagem, ninguém sabia explicar como a passagem de avião chegou na minha casa... eu não era ninguém!!! 

E não pensem que as pessoas ficaram comovidas. Era mais tratado como maluco do que outra coisa. Mas, uma vez lá, vamos aos treinos. E naquele mesmo dia começariam os testes. 


Dentro de campo eu seria notado.

(Em respeito aos amigos dislexicos,  continuamos a história numa próxima postagem, 20.2)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cosas de la vida 6


A notícia da Síndrome de Down na criança deixou Ana, ainda grávida, triste. Logo depois bateu um ânimo, uma força interior buscando conforto e resposta.

"Deus não dá uma cruz maior do que podemos carregar"; "isso não acontece por acaso"; "ela precisa da minha ajuda e não posso abandoná-la"; "isso será uma lição pra mim e pra todos"; "com certeza ela terá muito para me ensinar"... - esses eram os pensamentos que rondavam a cabeça de Ana.

E com o passar dos anos foi isso mesmo que aconteceu. Bruna, sempre alegre, era o xodó da família.


Ana tinha sempre em mente que a doença não poderia abalar a menina. Natação, música, estudos, dança, teatro, balé. Bruna fazia de tudo. Ana estudava a fundo sobre a doença e estava sempre buscando novas idéias e tratamentos para que Bruna se desenvolvesse.

Até que vem uma triste notícia: Bruna, com três anos, estava com LEUCEMIA!

Então começa uma rotina pra lá de dura, agoniante! Meses de tratamento no hospital. Uma alternância entre pequenas melhoras e grandes recaídas que não parecia ter fim!

E Ana, sempre confiante, cada vez mais estudava a doença em busca de soluções.

Até que não tinha mais jeito... o óbito era inevitável... a pequena Bruna já estava em coma por alguns dias. E Ana vendo sua filha partir buscava uma explicação, um sentido...

Até que, entregue, sem forças, Ana simplesmente parou... parou de estudar, de pensar, de controlar...   e se aproximou de Bruna... olhou de perto, ficou perto... teve uma sensação que nunca havia experimentado: estava olhando para a filha e não pra doença!  


Foi ali que ela se deu conta de quanto tempo havia perdido com a doença e quanto deixara de aproveitar a pequena Bruna... até que ela partiu!


Esta foi a maior lição que ela deixou.