quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Excelências à parte 8




Duas histórias que falam de sensibilidade.

1) O proprietário de uma casa recebeu uma intimação da prefeitura, determinando a demolição de seu imóvel - que estava alugado - pois corria risco de desabamento. Então, ele comunicou seu inquilino, que se recusou a sair. 

O proprietário, então, foi à justiça para exigir a desocupação. Temendo o pior, pediu uma liminar. 

O juiz, inexplicavelmente, marcou uma audiência de conciliação (?!?!?!?) para sessenta dias. Mesmo o apelo pessoal do advogado, que insistiu tentando mostrar o óbvio - risco iminente de morte -, foi insuficiente para sensibilizar o magistrado, que se manteve firme como uma porta na tentativa de conciliação (?!?!?!) em sessenta dias (?!?!?!).

Dito e feito. No curso dos sessenta dias, veio um dilúvio e derrubou a casa, matando  esposa e filho do inquilino! 

2) Um marceneiro falece devido a um atropelamento de moto. Seu filho ajuiza uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário-mínimo (?!?!?!), mais danos morais decorrentes do falecimento do pai. 

Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo, o menor pediu a gratuidade de justiça. O juiz, porém, negou-lhe o direito à justiça gratuita, argumentando que ele não apresentara prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por advogado particular(?!?!?!).

O garoto recorreu, por não ter a mínima condição de pagar as despesas de um processo. O recurso foi sorteado e caiu para um Desembargador que, acreditem, era filho de marceneiro. Ele deu a seguinte decisão/aula (sobre a gratuidade de justiça):
"Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele , com o indeferimento da gratuidade de justiça que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do sorteio, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
O seu pai foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do advogado. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos!
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.

É como marceneiro que voto.
José Luiz Palma Bisson - relator sorteado"
Definitivamente, sensibilidade não se aprende na escola! 

2 comentários:

Angélica Arechavala disse...

ADOREI.

Sissi Verri disse...

Linda e justa defesa. As palavras traduzem o silencio, em qq tempo. O que ficou sufocado será nas palavras justas, brisa.